Este texto foi originalmente publicado no site Bom Dia. O Texto a seguir é de autoria do redator Evandro Enoshita.
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Todas as quintas-feiras, um grupo de pessoas se reúne em um salão anexo à Câmara de Vereadores de Santo André. Na parede, uma lista de nomes. A cada mês, alguém é premiado. Mas eles não estão reunidas para alguma comemoração. São viúvas e idosos. Estão na fila de espera do pagamento de precatórios de Santo André.
Neste mês em que a OEA (Organização dos Estados Americanos) anunciou que irá julgar a denúncia de servidores públicos da cidade sobre uma possível violação dos direitos humanos no atraso da quitação dessas dívidas, o BOM DIA foi atrás das histórias de alguns precatorianos.
Suicídio
A alagoana Virgilina da Silva Serafim, 77 anos, mora há 42 anos em Santo André. Há 21 ela espera que o município pague a dívida trabalhista que tem com a sua família. “Meu marido trabalhou durante 35 anos na prefeitura. Quando ficou sabendo que ganhou um processo contra ela [a prefeitura], pensou em usar o dinheiro para voltarmos para Alagoas. Mas não aguentou a demora para receber. Morreu de nervoso. Se enforcou. Já faz nove anos”, disse.
Virgilina sobrevive hoje com uma pensão de R$ 1 mil, dos quais R$ 800 vão para o aluguel do apartamento em que vive com a filha e dois netos no Parque das Nações. Ela não tem ideia de quando irá receber o precatório – uma soma que ultrapassaria os R$ 70 mil -. Mas já sabe o que irá fazer com o dinheiro. “Queria deixar uma casa para a minha filha e os meus netos. Por isso preciso receber o dinheiro enquanto estou lúcida. Uma dia a mais na minha vida é um dia a menos na minha trajetória na Terra”, completou.
PEREGRINAÇÃO
Toda semana, Zenaide Cardoso de Lima, 70 anos, viaja de Tuiuti, distante mais de 100 quilômetros da Capital, para Santo André.
Vem para consultar a lista de precatórios, saber se foi ‘contemplada’. “Meu marido não me contava nada. Fui descobrir que ele tinha direito a receber dinheiro da prefeitura só quando ele morreu. Aí eu vim atrás”.
Desde então, ela espera há vinte anos o pagamento da dívida. “Acho uma vergonha o que está acontecendo. O meu marido derramou o sangue para construir o prédio da prefeitura, e é assim que ele está sendo recompensado”, comentou. Mas ela não desiste. Gasta
R$ 50 para ir e vir para as reuniões. Pretende continuar na mesma rotina até receber o que tem direito.
Suicídio
A aposentada Maria Odete de Jesus, 75 anos, trabalhou durante 20 anos como merendeira nas escolas de Santo André. Há anos ela escuta que irá receber o seu precatório. Mas já se cansou das promessas não cumpridas. “Estou precisando muito desse dinheiro. Tudo o que eu ganho de aposentadoria vai para o aluguel da casa em que eu vivo. Minha filha me ajuda, mas não é muito”, afirmou.
Se recebesse o que lhe devem hoje, ela iria colocar o dinheiro em uma poupança, e pagar por um jazigo para o filho. “Precisava pagar pela exumação dele. R$ 600. Não parece muito para muita gente. Mas para mim é”.
DEMORA
Essas reuniões são organizadas desde 2002. Um dos organizadores é João Carlos dos Santos, presidente da Comissão de Precatorianos de Santo André e Diadema. “Da maneira em que estão sendo feitos os depósitos, os mais idosos não vão receber nunca. Acredito que a solução para isso seria a formação de uma câmara de conciliação em Santo André, para avaliar os casos de cada precatoriano e favorecer os mais urgentes”, avaliou João Carlos.
Os precatórios são dívidas do poder público com pessoas físicas e jurídicas.
Esses débitos são obtidos por meio de ações trabalhistas e desapropriações.
OUTRO LADO
Por meio de nota, a prefeitura de Santo André informou que “o precatório objeto da denúncia à OEA é o 02/1999, originado há 13 anos”. Segundo a administração, parte desses precatorianos já receberam as indenizações .
ESPERA
“Já fiz sete cirurgias, e ainda estou aqui. Mas não sei até quando, ou quando irei receber”, Virgilina Serafim, 77 anos
DESILUSÃO
“Nem sei o valor que eu terei direito quando chegar a minha vez. Será que ainda irei receber?”, Zenaide de Lima, 70 anos
NECESSIDADE
“Já faz tanto tempo que estou esperando que eu nem lembro mais. Preciso muito do dinheiro”, Maria de Jesus, 75 anos
O QUE É ISSO? ‘PEC DO CALOTE’
É assim que ficou conhecida a Proposta de Emenda Constitucional nº 62 de dezembro de 2009. Ela permite que os municípios paguem os precatórios em até 15 anos, reservando 1,5% da sua receita para isso.
O que são e como funcionam os precatórios?
Especialistas em direito público explicam as regras e quais as prioridades para o recebimento de dívidas de estados e municípios
Os advogados especialistas em direito público Luís Eduardo Menezes Serra Neto e Alberto Rollo explicam o que são é como funciona os precatórios. “São dívidas do poder público. O que o precatoriano tem é um lugar em uma fila, em que existe uma ordem para receber o pagamento dessa dívida”, explicou Serra Neto.
Os precatórios são divididos entre os alimentares - que se referem às indenizações por processos trabalhistas e salários - que tem prioridade no pagamento -, e os outros tipos, entre eles os que tem origem em processos de desapropriação de imóveis.
E dentre os precatórios alimentares - que são os casos citados nessa reportagem - as regras para pagamento variam de local para local. Mas fatores como idade e doença do precatorianos podem ser levados em consideração para a antecipação da indenização. “Não é algo comum, mas pode acontecer”, ressaltou Rollo.
Segundo explica o advogado Serra Neto, em teoria, o pagamento deveria ser feito ao longo do ano seguinte ao registro da dívida na Justiça. Mas na prática, não é o que acontece. “Geralmente, quem costuma pagar com mais agilidade esses precatórios é o governo federal. No caso de estados e municípios, esse prazo varia muito. Isso porque o eles não tem a prática de trocar a indenização por abatimentos em impostos, como faz a União”, explicou.
Como esses precatórios não costumam ser pagos a curto prazo, eles sofrem correção monetária e vão acumulando juros. “Com isso, acaba acontecendo um mercado de compra de precatórios, em que instituições financeiras compram a dívida do precatoriano”, completou Serra Neto.
Precatórios pagos
Segundo a prefeitura de Santo André, nos últimos dois anos, a administração repassou R$ 69 milhões no pagamento de precatórios. Os repasses foram feitos ao Tribunal de Justiça do estado, que fica responsável pela administração dos precatórios estadual e municipal. No caso das dívidasda União, quem cuidam são os tribunais federais.
22 anos
É quanto esperou o segurança aposentado Geraldo Hernandes, 78 anos, para receber um precatório da prefeitura de Santo André. “Agora vou poder comprar a minha casinha”, afirmou, ao descobrir que estava na lista de pagamentos liberada neste mês.
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